terça-feira, maio 29, 2007
Pequeno dicionário amoroso
Acordou com superpoderes. Demorou a perceber, mas, quando entendeu, gostou da brincadeira.
Acordou e tinha a capacidade de trocar os nomes das coisas. De todas as coisas do mundo. Bastou falar uma vez que isso é aquilo e que aquele é esse, e o mundo inteiro saiu repetindo a nova verdade. Ninguém contestou e brincar daquilo virou um vício.
E ela saiu brincando com as palavras, como quem brinca na infância. Como quem brinca sem saber como vai ser a vida depois.
Casa passou a ser vento. Vento passou a ser sol. Sol passou a ser lápis. Lápis passou a ser chuveiro. Chuveiro passou a ser lua. Lua passou a ser beijo. Beijo passou a ser paz. Riscou a palavra ódio do dicionário, daquele dicionário que agora era regido por ela. Deixou para pensar em mágoa depois.
Depois, quando já estava prestes a cansar da brincadeira, decidiu que tudo aquilo que para ela representava amor passaria a se chamar loucura. E aí, finalmente, ela e o mundo inteiro falariam a mesma língua.
quarta-feira, maio 23, 2007
La femme révoltée (ou Ataque inesperado de desobediência virtual)
Não. Eu não quero emagrecer dormindo.
Não. Eu não quero ver fotos picantes da Gretchen nua.
Não. Eu não quero apostar agora na Mega-Sena.
Não. Eu não quero ler todas as notícias do mundo, minuto a minuto.
Não. Eu não quero clicar aqui e agora.
Não. Eu não quero ver fotos dos Mamonas Assassinas mortos.
Não. Eu não quero ver o vídeo da queda do avião da Gol.
Não. Eu não quero saber por que devo abrir uma conta no Bradesco.
Não. Eu não quero assistir ao capítulo de ontem (on demand) da novela “Eterna Magia”.
Não. Eu não vou desbloquear o antipopup.
Não. Eu não quero encontrar agora a minha alma gêmea.
Não. Eu não estou sozinha no final de semana.
Não. Eu não vou namorar já.
Não. Eu não vou fornecer meus dados.
Não. Eu não vou fazer da sua home a minha página inicial.
Não. Eu não vou revelar as minhas fotos a partir de R$ 0,49.
Não. Eu não vou comparar e achar o melhor preço.
Não. Pode ser só hoje, mas eu não quero aproveitar.
Eu só quero deitar. E dormir.
Não. Eu não quero ver fotos picantes da Gretchen nua.
Não. Eu não quero apostar agora na Mega-Sena.
Não. Eu não quero ler todas as notícias do mundo, minuto a minuto.
Não. Eu não quero clicar aqui e agora.
Não. Eu não quero ver fotos dos Mamonas Assassinas mortos.
Não. Eu não quero ver o vídeo da queda do avião da Gol.
Não. Eu não quero saber por que devo abrir uma conta no Bradesco.
Não. Eu não quero assistir ao capítulo de ontem (on demand) da novela “Eterna Magia”.
Não. Eu não vou desbloquear o antipopup.
Não. Eu não quero encontrar agora a minha alma gêmea.
Não. Eu não estou sozinha no final de semana.
Não. Eu não vou namorar já.
Não. Eu não vou fornecer meus dados.
Não. Eu não vou fazer da sua home a minha página inicial.
Não. Eu não vou revelar as minhas fotos a partir de R$ 0,49.
Não. Eu não vou comparar e achar o melhor preço.
Não. Pode ser só hoje, mas eu não quero aproveitar.
Eu só quero deitar. E dormir.
sábado, maio 19, 2007
quarta-feira, maio 16, 2007
A debutante
Minha saudade hoje debuta. Está dançando valsas. Rodopiando pelo salão. Completa 15 anos hoje a minha saudade. É uma menina-moça. Saiu para pintar as unhas. Aprendeu a caminhar sozinha. Acha que nem precisa mais de mim para seguir descobrindo o mundo.
Minha saudade hoje debuta. E está cheia de dúvidas. Chora sozinha no quarto. Cheia de hormônios, chora sem saber por quê. Ouve música bem alta. Alimenta um amor platônico. Briga com os pais, sempre sem um motivo aparente. Gosta de inúmeras bandas de rock. Quer fazer uma tatuagem. E colocar um piercing.
Minha saudade hoje debuta. Pensa que é uma adulta. Mas isso não passa de um pensamento arrogante de adolescente. Minha saudade, na verdade, ainda é criança. Fresquinha e novinha, ela me visita de vez em quando. E me mostra, entrando em uma contradição de menina, que o tempo alivia, sim, decerto alivia, mas que a ferida estará para sempre aberta. E que ainda dói.
Há 15 anos, eu perdi vovó Ditosa, mãe da minha mãe, a primeira a me ensinar que a dor de perder um avô é eterna.
terça-feira, maio 08, 2007
O reencontro de duas pessoas sem coração
Ele: E o namoro novo? Como está?
Ela: Acabou.
Ele: Eita, que rápido! Mais rápido que nossas ficadas!
Ela: É...
Ele: Eu sou impossibilitado de namorar...
Ela: Eu também. Pelo menos, no momento.
Ele: Levaram meu coração alguma noite aí em que eu dormi na rua e já era. Não teve devolução. Gostaram dele. Ainda bem que levaram. Fico mais sussa assim mesmo...
Ela: Levaram o meu também. Não é meu. Se não é meu, não posso dá-lo para ninguém.
[...]
Ela: Vou postar essa conversa. Sem querer, a gente fala umas frases até bonitas...
Ele: É, né? É bonitinho às vezes.
Ela: Muito.
Ela: Acabou.
Ele: Eita, que rápido! Mais rápido que nossas ficadas!
Ela: É...
Ele: Eu sou impossibilitado de namorar...
Ela: Eu também. Pelo menos, no momento.
Ele: Levaram meu coração alguma noite aí em que eu dormi na rua e já era. Não teve devolução. Gostaram dele. Ainda bem que levaram. Fico mais sussa assim mesmo...
Ela: Levaram o meu também. Não é meu. Se não é meu, não posso dá-lo para ninguém.
[...]
Ela: Vou postar essa conversa. Sem querer, a gente fala umas frases até bonitas...
Ele: É, né? É bonitinho às vezes.
Ela: Muito.
quinta-feira, maio 03, 2007
O email do céu
Texto publicado aqui, dia 25 de abril.
Quem primeiro me deu a notícia, para falar bem a verdade, foram as pernas bambas da minha mãe. Desde que me entendo, minha mãe perde a força nas pernas quando recebe notícias tristes ou quando está muito nervosa. E esta, de fato, foi a notícia mais triste dos últimos tempos.
- Gleidson morreu - disse ela, entrando no quarto.
Era pouco mais de 12h30 e um silêncio fúnebre tomou conta da nossa casa. Só ficaram os soluços e as lágrimas. Ouvi o choro do meu pai ainda na sala. E eu só consegui me lembrar de tio Gleidson sorrindo (aquele sorriso imenso que só ele tinha) e me chamando de Fernandíssima.
- Fernandíssima, você escreve que é uma danada! - ele me dizia e me escrevia em mensagens longas que chegavam por email. Os emails que ele religiosamente mandava, verdadeiras crônicas, sempre bem-humoradas, mesmo nos momentos mais angustiantes da sua doença.
Agora minha cabeça dói, porque eu chorei o dia todo. Não adiantou eu ficar pensando que precisava ser forte e feliz, já que tio Gleidson foi, até o fim, uma das pessoas mais felizes que eu conheci na vida. Não adiantou. Para mim, mesmo tendo falado, abraçada ao meu pai, que temos só coisas boas e alegres para lembrar, hoje o dia foi triste do começo ao fim.
Minha tristeza se agravou porque ele partiu ontem. E amanhã é aniversário de papai (ainda semana passada, ele me perguntou, pelo orkut: "o compadre é 26 ou 27? Sempre me esqueço. Sou um nojento"). Depois, numa tentativa de me consolar e parar de chorar, pensei que ele foi amigo até na morte: não marcou o dia de papai com a sua partida. Partiu quietinho, sem grandes alardeios, dois dias antes. E dez dias depois de ter feito 60 anos. Dia em que ele falou: "Este foi meu último aniversário."
Foi. Ele tinha razão.
Mas uma pessoa como tio Gleidson não morre nunca. Eu, que pouco convivi com ele, porque ele morava em outra cidade, aprendi a amá-lo ainda bem pequena. O amor do meu pai por ele passou não apenas para minha irmã mais velha, a afilhada dele, mas para todas nós. Os dois eram grandes amigos, desde os tempos da faculdade de engenharia, no Recife.
Atualmente, eu sempre esperava as mensagens que ele me mandava por email, além dos capítulos do livro que ele vinha escrevendo, contando sobre sua vida. Esperava para ler as notícias sempre tão bem escritas e engraçadas, mesmo que ele estivesse falando sobre hospitais e sobre a imensa fila do transplante de fígado.
Guardei muitas dessas mensagens. Hoje as reli. Chorei. Mas reler tudo aquilo foi uma forma de homenageá-lo.
Hoje, pensando em tio Gleidson, eu vi um arco-íris em cima da praça Gonçalves Dias. E vi ali, em mais uma tentativa de me consolar, o sorriso dele, o mais largo e sincero do mundo. Olhando para o céu, pensei também que o que eu mais precisava agora era conseguir o email do céu. Porque vai ser muito triste ficar sem as mensagens dele, sempre tão carinhosas e humanas. Porque, no meio de tanta saudade e da tentativa cruel de digerir a notícia, ver o nome dele offline no msn, hoje à tarde, foi como levar uma facada no peito.
Pensei, ainda, que a Fernandíssima, que hoje lutou para ser "íssima" em meio a tanta dor, só podia mesmo retribuir a tanto amor e carinho assim, do jeito que ele mais gostava de me ver: escrevendo.
- Gleidson morreu - disse ela, entrando no quarto.
Era pouco mais de 12h30 e um silêncio fúnebre tomou conta da nossa casa. Só ficaram os soluços e as lágrimas. Ouvi o choro do meu pai ainda na sala. E eu só consegui me lembrar de tio Gleidson sorrindo (aquele sorriso imenso que só ele tinha) e me chamando de Fernandíssima.
- Fernandíssima, você escreve que é uma danada! - ele me dizia e me escrevia em mensagens longas que chegavam por email. Os emails que ele religiosamente mandava, verdadeiras crônicas, sempre bem-humoradas, mesmo nos momentos mais angustiantes da sua doença.
Agora minha cabeça dói, porque eu chorei o dia todo. Não adiantou eu ficar pensando que precisava ser forte e feliz, já que tio Gleidson foi, até o fim, uma das pessoas mais felizes que eu conheci na vida. Não adiantou. Para mim, mesmo tendo falado, abraçada ao meu pai, que temos só coisas boas e alegres para lembrar, hoje o dia foi triste do começo ao fim.
Minha tristeza se agravou porque ele partiu ontem. E amanhã é aniversário de papai (ainda semana passada, ele me perguntou, pelo orkut: "o compadre é 26 ou 27? Sempre me esqueço. Sou um nojento"). Depois, numa tentativa de me consolar e parar de chorar, pensei que ele foi amigo até na morte: não marcou o dia de papai com a sua partida. Partiu quietinho, sem grandes alardeios, dois dias antes. E dez dias depois de ter feito 60 anos. Dia em que ele falou: "Este foi meu último aniversário."
Foi. Ele tinha razão.
Mas uma pessoa como tio Gleidson não morre nunca. Eu, que pouco convivi com ele, porque ele morava em outra cidade, aprendi a amá-lo ainda bem pequena. O amor do meu pai por ele passou não apenas para minha irmã mais velha, a afilhada dele, mas para todas nós. Os dois eram grandes amigos, desde os tempos da faculdade de engenharia, no Recife.
Atualmente, eu sempre esperava as mensagens que ele me mandava por email, além dos capítulos do livro que ele vinha escrevendo, contando sobre sua vida. Esperava para ler as notícias sempre tão bem escritas e engraçadas, mesmo que ele estivesse falando sobre hospitais e sobre a imensa fila do transplante de fígado.
Guardei muitas dessas mensagens. Hoje as reli. Chorei. Mas reler tudo aquilo foi uma forma de homenageá-lo.
Hoje, pensando em tio Gleidson, eu vi um arco-íris em cima da praça Gonçalves Dias. E vi ali, em mais uma tentativa de me consolar, o sorriso dele, o mais largo e sincero do mundo. Olhando para o céu, pensei também que o que eu mais precisava agora era conseguir o email do céu. Porque vai ser muito triste ficar sem as mensagens dele, sempre tão carinhosas e humanas. Porque, no meio de tanta saudade e da tentativa cruel de digerir a notícia, ver o nome dele offline no msn, hoje à tarde, foi como levar uma facada no peito.
Pensei, ainda, que a Fernandíssima, que hoje lutou para ser "íssima" em meio a tanta dor, só podia mesmo retribuir a tanto amor e carinho assim, do jeito que ele mais gostava de me ver: escrevendo.
** Na foto, tio Gleidson e papai - uma amizade para a vida inteira.