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Pra doido ler

quinta-feira, maio 03, 2007

O email do céu

Texto publicado aqui, dia 25 de abril.

Quem primeiro me deu a notícia, para falar bem a verdade, foram as pernas bambas da minha mãe. Desde que me entendo, minha mãe perde a força nas pernas quando recebe notícias tristes ou quando está muito nervosa. E esta, de fato, foi a notícia mais triste dos últimos tempos.
- Gleidson morreu - disse ela, entrando no quarto.
Era pouco mais de 12h30 e um silêncio fúnebre tomou conta da nossa casa. Só ficaram os soluços e as lágrimas. Ouvi o choro do meu pai ainda na sala. E eu só consegui me lembrar de tio Gleidson sorrindo (aquele sorriso imenso que só ele tinha) e me chamando de Fernandíssima.
- Fernandíssima, você escreve que é uma danada! - ele me dizia e me escrevia em mensagens longas que chegavam por email. Os emails que ele religiosamente mandava, verdadeiras crônicas, sempre bem-humoradas, mesmo nos momentos mais angustiantes da sua doença.
Agora minha cabeça dói, porque eu chorei o dia todo. Não adiantou eu ficar pensando que precisava ser forte e feliz, já que tio Gleidson foi, até o fim, uma das pessoas mais felizes que eu conheci na vida. Não adiantou. Para mim, mesmo tendo falado, abraçada ao meu pai, que temos só coisas boas e alegres para lembrar, hoje o dia foi triste do começo ao fim.
Minha tristeza se agravou porque ele partiu ontem. E amanhã é aniversário de papai (ainda semana passada, ele me perguntou, pelo orkut: "o compadre é 26 ou 27? Sempre me esqueço. Sou um nojento"). Depois, numa tentativa de me consolar e parar de chorar, pensei que ele foi amigo até na morte: não marcou o dia de papai com a sua partida. Partiu quietinho, sem grandes alardeios, dois dias antes. E dez dias depois de ter feito 60 anos. Dia em que ele falou: "Este foi meu último aniversário."
Foi. Ele tinha razão.
Mas uma pessoa como tio Gleidson não morre nunca. Eu, que pouco convivi com ele, porque ele morava em outra cidade, aprendi a amá-lo ainda bem pequena. O amor do meu pai por ele passou não apenas para minha irmã mais velha, a afilhada dele, mas para todas nós. Os dois eram grandes amigos, desde os tempos da faculdade de engenharia, no Recife.
Atualmente, eu sempre esperava as mensagens que ele me mandava por email, além dos capítulos do livro que ele vinha escrevendo, contando sobre sua vida. Esperava para ler as notícias sempre tão bem escritas e engraçadas, mesmo que ele estivesse falando sobre hospitais e sobre a imensa fila do transplante de fígado.
Guardei muitas dessas mensagens. Hoje as reli. Chorei. Mas reler tudo aquilo foi uma forma de homenageá-lo.
Hoje, pensando em tio Gleidson, eu vi um arco-íris em cima da praça Gonçalves Dias. E vi ali, em mais uma tentativa de me consolar, o sorriso dele, o mais largo e sincero do mundo. Olhando para o céu, pensei também que o que eu mais precisava agora era conseguir o email do céu. Porque vai ser muito triste ficar sem as mensagens dele, sempre tão carinhosas e humanas. Porque, no meio de tanta saudade e da tentativa cruel de digerir a notícia, ver o nome dele offline no msn, hoje à tarde, foi como levar uma facada no peito.
Pensei, ainda, que a Fernandíssima, que hoje lutou para ser "íssima" em meio a tanta dor, só podia mesmo retribuir a tanto amor e carinho assim, do jeito que ele mais gostava de me ver: escrevendo.


** Na foto, tio Gleidson e papai - uma amizade para a vida inteira.

1 Comments:

At 6:12 PM, Blogger Aurora Combs said...

Ai Fê...que triste...e que bem escrito...

 

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