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Pra doido ler

sábado, novembro 12, 2005

Cíntia

Eu encontrei Cíntia na noite de anteontem. Na verdade, ela me pediu socorro. Surgiu de repente, no meio da rua, eu tentei escapar, ela insistiu.
- Eu não sei se você já passou fome na vida, mas é horrível. E eu estou grávida.
Acho que ainda repeti que estava com presa. Mas ela me pegou pelo olho. Não parava de olhar direto nos meus olhos, enquanto falava comigo. Falava educadamente. Não tinha o jeito "marrento" de quem vive na rua.
- Não quero que você tenha medo de mim.
- Eu não estou com medo de você - disse eu, logo depois perguntando o nome dela, já chorando.
- É Cíntia. E o seu?
- Fernanda.
Decidi atender ao apelo dela.
- Não quero dinheiro. Tá vendo aquela frutaria ali? Vai comigo ali e me compra um lanche. Mas você tem que parar de chorar, senão vão pensar que estou fazendo algum mal a você.
Pedi desculpas, falei que aquilo tudo era muito triste.
- Eu sei - ela disse.
Fomos caminhando, cruzando a pracinha que leva à frutaria. No caminho, um carro parou do outro lado da rua. O homem buzinou e quis saber se estava tudo bem comigo. Eu senti uma mistura de alívio e constrangimento. Se realmente eu estivesse precisando de ajuda, tive a prova ali de que é possível ter essa ajuda, mesmo em uma cidade como São Paulo. Não é aqui que dizem que cada um só pensa em si mesmo? Respondi ao homem que estava tudo "em ordem" e pedi desculpas para Cíntia.
- Tudo bem, já estou acostumada.
Na frutaria, ela escolheu um lanche. Eu disse para ela pegar um suco. Ela se espantou.
- Posso mesmo?
- Pode. - disse, ainda chorando.
Os vendedores também me perguntaram se estava tudo bem comigo.
Entreguei o lanche a ela, que disse que não ia me esperar pagar. A fome era enorme. Ela me deu um beijo no rosto e um abraço, talvez um dos mais calorosos e sinceros dos últimos tempos. Paguei e segui para casa, chorando, chorando...
Ah, ela me disse, ainda, já me chamando de "Fê" que as pessoas não cruzam os caminhos umas das outras por acaso. Eu acho que ela tem toda a razão.

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