Uma história que eu roubei na rua
Eu roubo histórias da rua. Sempre roubei. E me aproprio de personagens prontinhos que cruzam meu caminho por aí afora.
Mas nunca, eu disse nunca, tinha ficado tão impressionada com um diálogo flagrado no meio da rua.
Ela devia ter uns 50 anos. Ele, perto disso, talvez uns 10 anos a menos. Os dois decidiram discutir a relação - em alto e bom som - nos sofás que ficam na entrada da Livraria Cultura, no Conjunto Nacional. Foi lá que eu fui fazer hora para um compromisso que teria uma hora depois.
Fiquei impressionada. Parecia que eu estava assistindo a um filme no meio da rua. Uma peça de teatro encenada ali na minha frente. Fiquei impressionada. A ponto de anotar o diálogo, a partir de um certo ponto. Sem culpa. Afinal, eles que decidiram que deveriam falar de amor e dor ali.
Nada, eu disse nada, que está escrito abaixo foi inventado por mim. Anotei tudo. Compulsivamente. E eles nem perceberam.
ELA: Eu não sou um brinquedo. Ou você me chuta de vez ou me assume. Agora que eu estava tentando ficar com você, você quer me chutar?
ELE: Posso falar uma coisa? Não é questão de brinquedo. Tô cético. Vivo uma confusão mental.
ELA: Quando eu disse que não queria mais, você falou 'volta pra mim'.
ELE: Entenda. A confusão mental é enorme. O diálogo com você é ótimo. Você tem uma maturidade sem igual. Mas eu sou um pseudo-romântico cético. Nosso relacionamento é romântico, mas é também construtivista. Você teve importância...
ELA: Eu não morri ainda. Você só fala de mim no passado. Não morri ainda.
ELE: E nem vai morrer. Se você pensa que vai morrer aqui, está redondamente enganada.
ELA: Redonda? Tá me chamando de gorda?
ELE: Independente de qualquer coisa...
ELA: "Independente de qualquer coisa" quer dizer não.
ELE: Você acredita que estou me sentindo mal?
ELA: Não, eu não acredito em você. Você fala uma coisa aqui e sente outra aqui. Será que você não percebe que eu amo você? Vai ser em 3 mil, depois da bomba?
ELE: Eu sei. Não é fácil. É confusão mental. Me perdoa?
ELA: Não é querendo me gabar, mas eu fiz você acreditar em você.
ELE: Você me deu muita coisa.
ELA: Pensa que foi só aluno? Você foi professor.
ELE: Foi uma troca.
ELA: Mas não aquela troca hostil.
(pausa)
ELA: Não quero ser dona da razão. Mas por que você está jogando isso fora? Pra agradar os outros? Seus pais?
ELE: Aquela sexta foi fatídica. Aquilo acabou. Foi horrível.
ELA: Insatisfação é uma coisa. Cólera é outra. Você não estava habituado a ser reprimido.
ELE: Aquilo foi uma repulsão. Mas eu te perdoei porque sempre você reconheceu seus erros.
ELA: Por que eu não reconheceria? Por que eu fugiria de mim mesma? Sabe uma coisa que eu odeio em você? A gente tá falando uma coisa séria e você muda o assunto. Você escorrega como sabonete. Você desvia.
ELE: Sou disperso demais.
ELA: Você é um feio!
(pausa)
ELA: Nesses sete anos, não tentei te mudar. Eu não vou te mudar. Só pára de negar as coisas pra você! Você tem direito de amar, tem direito de xingar, de falar o que quiser pra mim. Mas pára de se negar para si mesmo.
(pausa)
ELA: Vou te dar um prazo. Até 31 de julho você vai ter que parar de deslizar como sabonete. Nós vamos nos ajudar. Se você escorregar num tomate, você limpa. E eu farei o mesmo. Tá disposto?
ELE: Tô.
ELA: Ajeita seu universo. Hoje, 25 de junho de 2007, às 20h29, vou dizer: guarde sua bandeira bem dobradinha. Porque vou querer vê-la bem hasteada. Seja um soldado. Não vou nem te ligar.
ELE: Como? Como você vai viver sem me ligar durante um mês?
ELA: Isso é problema meu. Tá com medo? Agora todo bolo que eu fizer, tenho que te dar a receita?
ELE: Santa estratégia silenciosa? Por um mês?!
ELA: Essa guerra que te declarei não é pra você ficar na Rua Sergipe e na Avenida Angélica trancado, sem fazer nada. Tem várias formas de se combater o inimigo.
ELE: E se depois eu não souber a resposta?
ELA: Essa pose sua é sarcástica.
1 Comments:
que ótimo! que pessoas malucas!
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